segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

domingo, 7 de dezembro de 2014

viagens na minha terra...


PRECISO  DE  ESPAÇO


Preciso de espaço
Para ser feliz
Preciso de espaço
Para ser raiz
Ter a rede pronta
Para o mar de sempre
Ter aves e sonho
Quando a terra escuta
Falar de amor
Aos tambores da luta.

Ter palavras certas
No sol do caminho
E beber a rir o doirado vinho
Misturar a vida
Misturar o vento
E nas madrugadas
Quando o povo abraço
Para estar contigo
Preciso de espaço.

Preciso de espaço
Para ser feliz
Preciso de espaço
Para ser raiz
Caminhar sem ódio
Falar sem mentiras
Ter meus olhos longe
Na luz de uma estrela
E ser como um rio
Que se agita ao vê-la.

Vasco de Lima Couto


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul

Carlos de Oliveira - Carta a Rui Feijó sobre o mistério de Oriana


Oriana adormeceu à beira-mar
e os seus cabelos longos de tristeza
salgou-os nessas ondas a coalhar
que há no mar do silêncio à portuguesa.
Correram-lhe das pálpebras pesadas
o Guadiana e o Tejo, o Minho e o Doiro;
o sol posto deixou-lhe as mãos doiradas,
e adormeceu com luz como um tesoiro.
Que estranho nome o de Oriana: estrela,
mulher ou pátria? flor, constelação?
Palavra numerosa, será ela
o múltiplo acordar desta canção:
aquela por quem eu, e por seu pranto,
sustenho a espada de Amadis e canto.


Carlos de Oliveira, Terra de Harmonia, 1950

viagens na minha terra...

terça-feira, 25 de novembro de 2014


[Rocha Peixoto]
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico



[Rocha Peixoto]
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico



Manuel de Castro - PARALELO W


Largos largos largos LARGOS HORIZONTES
- não te recordarei. Há um país fatal,
existe uma zona de aventura, um segredo.

O amor possui o tempo - Ignora
que já não há velas nem os capitães
são agora donos de seus barcos.
Tudo que nos transporta participa
do nosso imparável movimento.

Ignora

que os ancoradouros são para navios
mas os navios partem
e por vezes não regressam

Todos os meus amigos são rosas brancas
todo o meu amor é ave lenta

No entanto

prefiro-me veneziano rápido
oferecendo anéis aos mendigos
vestir-me de rubro e negro para ti
ao som dos clarins
fluir viagem de flores súplice de perigo

os navios partem
por vezes não regressam e todavia
eis O SUL - uma palavra, um gesto
um lugar, um anel
- rápido som de clarim
Viagem de Flores
Perigo

este é o tempo em que morrem os príncipes
ao sol posto num final sereno
e se iniciam os ritos bárbaros
da Grande Velocidade

manchas no céu da noite
quebram e reunem seus corpos
em cósmicos espelhos
enquanto um mágico aceno de fluor
descreve a partida das nossas frotas
na imensidão azul escura
cristalizando no oculto um sentido
para a vida e para a morte
concretizando o movimento dos nossos músculos
- um brilho que cheira a limo e sal.

Sobre os cadáveres assim incorruptíveis
dos velhos príncipes desagregados no mar
passam os navios
e a geração angélica e terrível
talha o seu destino sobrehumano
onde a noite vai expulsar os astros
iniciar-se, e ter um nome diferente.
 PARALELO W, Sintra: Edição do autor, 1958 (Sintra: Gráfica Sintrense)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Afonso Lopes Vieira - Onde a terra se acaba e o mar começa




Onde a terra se acaba e o mar começa
é Portugal;
simples pretexto para o litoral,
verde nau qu'ao mar largo se arremessa.


Onde a terra se acaba e o mar começa
a Estremadura está,
com o Verde Pino que em glória floreça,
mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!

Onde a terra se acaba e o mar começa
há uma casa onde amei, sonhei, sofri;
encheu-se-me de brancas a cabeça
e, debruçado para o mar, envelheci...

Onde a terra se acaba e o mar começa
é a bruma, a ilha qu'o Desejo tem;
e ouço nos búzios, té que o som esmoreça,
novas da minha pátria - além, além!...


Afonso Lopes Vieira, Onde a Terra se Acaba e o Mar Começa, Bertrand, 1940

domingo, 16 de novembro de 2014

Inês Dias - Assim que a estação morria




fotografia de Inês Dias,  2014




"Grief returns like the rain,
like the night."

IRIS MURDOCH


Assim que a estação morria,
o mar vinha buscá-la
entre salvas e limos
e restos de outros naufrágios.
Os banheiros desmontavam a praia,
arriando bandeiras friorentas
enquanto eu, rei sem reino
para trocar pelo cavalo,
regressava então ao exílio.

À espreita, rancorosos, os dias
úteis, caçadores com alma
pela trela e o prazer
de atirar para ferir;
atrás de mim o verão,
como água salgada
a lamber uma ferida aberta.

A tua chuva, poeta, 
já nada me consegue ensinar:
tornei-me um cego
a quem cortaram as mãos
para não ler mais
o mundo, invariavelmente,
repetidamente, ainda ali.


Inês Dias, Tempos Vários, Paralelo W, Janeiro de 2014